terça-feira, 24 de março de 2020

A DERRADEIRA




















Seduz-me o seu fulgor de tez velada
˗ na pálida penumbra sob um véu ˗
a olhar eternizada rumo ao céu
na pouca luz do sol amarelada!

Sutil e em gestos finos disfarçada,
esconde sob o linho o seu troféu
e deixa-me ao soçobro em meu ilhéu
num barco cuja vela foi içada!

Os ventos me sopraram como dantes
˗ tal qual longínqua saga... à vez primeira ˗
e as lendas e aventuras dos amantes...

Morri-me sob o olhar de uma trigueira,
que o tempo me ofertou por uns instantes
...na última aventura ˗ a derradeira!

domingo, 23 de fevereiro de 2020

O BEIJO GELADO da bela dançarina
















As luvas que ela usava tinham marcas
do rouge e do baton cor de carmim!
As plumas esvoaçavam no cetim,
enquanto os pés douravam as alparcas!

O baile era o mais fino entre as comarcas
e havia mesas postas no jardim;
(um luxo em carnaval para os monarcas)
˗ Sentei-me em meio ao cheiro de jasmim...

De súbito, soprou-me ao meu ouvido,
num misto de sussurro e de gemido,
a voz mais doce e terna que já ouvi!

Virei-me e... era a bela dançarina,
qual fosse um holograma em purpurina!
Beijou-me e disse... adeus... eu já morri!

A LÓGICA NO EFÊMERO DA VIDA















Ofusca aos olhos meus e aos olhos teus,
o brilho que cintila qual estrelas,
na luz que nos fascina só de vê-las
...Ofusca aos olhos teus e aos olhos meus!

Se pérolas expostas nos museus,
o preço eu pagaria para tê-las;
ourives eu teria a refazê-las;
o ateu viria a ser um semideus!
....................................................
Enquanto o cintilar externo afronta,
a vã sabedoria desaponta...
e perde-se no brilho que há por fora!

A lógica da vida não se perde!
Perdem-se o brilho e as joias que se herde
˗ O corpo fica... a alma vai-se embora!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

NOTÍVAGA




















Despetalada flor em rubro leito,
a retorcer-se em gestos de luxúria,
avulta-se de arroubos quase em fúria
na maciez da pele onde eu me deito!

Fervilha o sangue ardente em nosso peito,
sem termo ou sem medida, sem lamúria,
e lança-nos incautos sem penúria
no ato mais gostoso e mais perfeito!

Invade-nos a lua na madrugada,
enquanto a brisa afaga enluarada
as curvas do seu corpo onde eu me faço!

Notívaga... se mostra inda mais bela
e lânguida se vai, pela janela...
.....................................................
Eu nunca mais deitei-me em seu regaço! 








segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

SUSSURROS















Não sei o que dizer quando, em lampejo,
sussurras para mim sem me avisar
e em pétalas te mostras devagar,
na maciez da pele que ora vejo!

Por toda essa nudez que é meu desejo,
o mundo em mim se curva a me cobrar,
mas entro na volúpia desse ensejo
e enrosco-me em teu corpo a me instigar!
.........................................................
Não conto mais o tempo... vão-se as horas...
os ais se reverberam... tu nem coras,
imersa na fusão que propusemos.

Dizemo-nos loucuras, tantas coisas,
que o mundo nunca disse em velhas loisas
...e nunca alguém dirá... como dizemos!


sexta-feira, 13 de setembro de 2019

COISAS DAQUELE TEMPO (Ó minha Barra do Corda)
















Deixo aqui nesse papel
Momentos de um tempo antigo 
Histórias que vêm comigo 
Que não consigo esquecer 
São coisas lá da infância 
Que ficaram na distância... 
Mas... 'recordar é viver': 

Em um pedaço de arame 
Dobrado qual fosse um L 
Com cuidado à flor da pele 
Colocava uma espoleta 
Detonava atrás de alguém 
Disfarçava, olhava além 
E voava igual cometa! 

Jogava bola na ilha 
Nadava no rio Corda... 
Hoje a lembrança recorda 
Com vontade de voltar! 
Infância livre e sadia 
Deus me deu e eu nem sabia 
Que um dia iria se acabar! 

Nos cipós das gameleiras 
Que havia na beira do rio 
Em ato dito bravio 
Eu pulava lá no meio... 
Igual um peixe nadava 
Era a vida que eu amava 
Sem medo, dor, sem receio! 

Uma roda e um arame 
Uma bola, um desafio 
A correnteza do rio 
O empinar de um papagaio 
Faziam parte da vida 
Graças a Deus bem vivida 
Todo o ano, maio a maio! 

Meus carros tinham estradas
No quintal da minha casa
Trapézios e voo sem asa
Lá no quintal da vovó!
Papel de bala era ingresso
Nosso circo era um sucesso
...A Vilma era o meu xodó!

Com flecha acertava as mangas
Quase sempre de primeira
Tijolinhos em caieira
Pra carregar caminhão
Pilhas usadas ‘tambores’
Meus caminhões tinham cores
Nas estradas do meu chão...

Havia índios nas ruas
As índias com curumim
(Eu cresci num meio assim)
Eram do grupo Canela.
Eu passava pela rua
Via índia seminua
...Ficava olhando pra ela!

A casa do Olímpio Cruz
Tinha uma calçada alta
E eu ˗ já menino peralta ˗
Ia pra ver índia passar...
Disfarçava na calçada
Vez por outra, uma olhada
Ninguém ia desconfiar!

Montei no lombo do tempo
Que me levou mundo a fora
Disse adeus e fui-me embora
Pra longe daquela terra
Mas... a memória é tamanha
Por onde vou me acompanha
E quase sempre não erra! 

Ah tempo bom... hoje eu sei
Vivia como queria
Na inocência e na alegria
Rodeado de amizades...
Já não vejo essas pessoas
E aquelas horas tão boas
Deixaram-me só saudades...

Não falo mal desse tempo 
Mas louvo o meu tempo antigo 
Que até se fez meu amigo 
E me levou de roldão! 
Hoje lembro com um sorriso 
E digo: Quando preciso 
Eu tenho o tempo na mão!

Aqui ˗ mesmo aposentado ˗
Vivo em meio aos afazeres. 
A vida dá-nos prazeres 
Que podemos desfrutar! 
...Cabe-nos fazer o bem 
Ajudar, não ver a quem, 
Por fim... amar e amar! 
..................................
Ó minha Barra do Corda
Um dia lá vou voltar
Vou no rio me banhar
Pisar de novo esse chão
Por enquanto é na lembrança
Que volto a ser a criança
Que te tem no coração!

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

ERA MÊS DE AGOSTO










Soprava o vento frio da saudade,
enquanto eu me entregava ao pensamento...
A folha da janela, qual lamento,
rangia a completar a soledade!

Assim, passou-se o tempo e, sem piedade,
de mim foi-me extirpando, sem unguento,
pedaço por pedaço inda sangrento
do que chamei um dia mocidade!

Os sons, o cheiro, a voz que me encantava,
os risos e as carícias que me dava
o tempo me tirara... por suposto...

Prostrado ali fiquei, diante de mim,
qual livro cuja história não tem fim
...até passar mais um... mais um agosto!